“Vivi um ano e sete meses num relacionamento abusivo. Conheci meu agressor em 2012, logo após a minha aprovação no concurso da Guarda Municipal, quando eu tinha 20 anos. Ele morava perto da casa da minha avó, acabamos nos envolvendo e, em pouco tempo, fomos viver juntos. Após o curso de formação da instituição fui escalada para tirar serviço em um posto fixo de uma praça. Eu trabalhava um dia pela manhã e outro pela noite e folgava três dias. Toda vez que eu chegava do plantão, ele me agredia verbalmente, chamava tudo que não presta e me acusava de ser assanhada. As coisas foram piorando com os meses, principalmente quando eu não atendia aos telefonemas durante o serviço. Um dia, decidi que o relacionamento não fazia mais sentido e ele começou a me ameaçar de morte, a seguir meus passos e a vigiar o meu dia de serviço. Uma certa noite, tive que mudar de posto para compensar a falta de um servidor e ele estava observando todos os passos. Quando eu retornei para casa, no dia seguinte, ele me deu um puxão no cabelo, torceu meu dedo e me deixou com o braço esquerdo todo roxo. Nesse dia me senti envergonhada, sem chão e tomei a decisão de sair de casa. Ele ainda tentou se aproximar algumas vezes, mas ameacei denunciar para as autoridades. Graças a Deus consegui me livrar e hoje tenho uma família e um relacionamento estável” relatou a GM Margarida ( nome fictício).
“Medo da hierarquia, era isso que eu sentia quando tinha que comparecer na sede da GMB. Me tremia só de pensar em ter que olhar para aquele superior, que na época , por volta de 2006, alguns cargos de chefia eram ocupados por servidores oficiais de segurança pública do Estado. As investidas foram ficando insuportáveis. E a negativa do assédio sexual se transfomou em perseguição. Essa situação aconteceu com diversas servidoras da instituição, mas ninguém teve coragem de denunciar por se tratar de alguém ‘poderoso’. Lembra Eva ( fictício) , guarda municipal há 26 anos.
Casos como estes, infelizmente não são incomuns. Dados de uma pesquisa realizada pelo comando da Guarda Municipal de Belém, durante a segunda quinzena de janeiro e o mês de fevereiro, apontam que das 170 agentes da GMB, que fazem parte do grupamento feminino, 65,88% (112) disseram já ter sofrido algum tipo de violência doméstica ou assédio moral e sexual dentro da instituição de trabalho, sentindo-se desrespeitadas ou coagidas.
Diante das circunstâncias, a GMB criou neste mês de março, em que se comemora o Dia Internacional da Mulher, um Núcleo de Atenção à Guarda Feminina, que tem como objetivo atender às servidoras da instituição que são vítimas de algum tipo de violência, seja ela física, psicológica, moral, sexual ou patrimonial.
“Quando assumimos a gestão da instituição em janeiro, resolvemos resgatar e valorizar o grupamento e, após várias discussões, fomos em busca de ferramentas legais para dar apoio à toda guarda feminina que se sentir assediada, coagida ou até mesmo ameaçada, seja ela no ambiente profissional ou familiar”, explica o subinspetor-geral da Guarda Municipal de Belém, Sindeval Bittencourt.
“A garantia dos direitos humanos, principalmente da mulher, que dentro da nossa corporação ainda representa um número reduzido, mostra que estamos preocupados e queremos garantir o amparo institucional, caso ela necessite em algum momento”, ressalta o subinspetor-geral da GMB.
O núcleo tem previsão de ser lançado no próximo dia 8, Dia Internacional da Mulher. A inspetora Maria José Farias Patrício será a coordenadora e contará também com psicóloga, assistente social, advogada, entre outras profissionais. “Como mulher, guarda de carreira, que já sofreu diversos tipos de situações, é gratificante fazer parte desse projeto, principalmente por já ter vivenciado várias situações de violência, sejam em ocorrências durante o serviço ou com uma colega de trabalho. O mais importante é fazer a mulher entender que ela não está sozinha e que jamais deve se calar”, ressalta Maria José.
SOS Mulher
Combater a violência doméstica no município é uma das atividades exercidas pela Guarda Municipal de Belém (GMB), por meio do Programa SOS Mulher, um aplicativo criado após assinatura de um Termo de Cooperação entre a GMB e o Tribunal de Justiça do Estado do Pará (TJ-PA) em 2016. Atualmente 11 mulheres são beneficiadas com o aplicativo, que funciona como um Sistema de Monitoramento (SIM) 24 horas para atender as vítimas, caso o agressor descumpra medidas protetivas determinadas pelos juízes das Varas de Violência Doméstica.
Para ter acesso ao SOS Mulher as vítimas são acolhidas e selecionadas pelos juízes das Varas de Violência Doméstica e incluídas, caso aceitem, no programa de monitoramento. A beneficiária recebe um aparelho celular que, uma vez ligado, passa a ser monitorado 24h por dia pela Central de Controle da GMB.
“Se a mulher com a medida protetiva pressiona o botão, imediatamente aciona o alerta na tela de monitoramento e, através das coordenadas geográficas da protegida, é designada a viatura mais próxima do local para atender ao chamado”, explicou Joel Ribeiro, Inspetor Geral da Guarda Municipal de Belém.
A subinspetora do Grupamento Ronda da Capital (Rondac) da GMB, Michele Marinho, relata que na véspera do Natal do ano passado o SIM recebeu um alerta de pedido de socorro. Ela conta que quando os agentes municipais chegaram ao local constataram que o pedido de ajuda não era para a protegida e sim para nora. “O filho da acolhida tinha espancado a esposa e a própria mãe o denunciou através do SOS Mulher”, detalhou.
Segundo ela,outro caso foi de um agressor que surpreendeu a ex-mulher na escola do filho. “A vítima foi agredida quando estava deixando a criança no colégio. No momento da agressão ela conseguiu acionar o sistema e ao mesmo tempo a direção do colégio acionou o SOS Paz, que possui o mesmo sistema, só que direcionado às escolas municipais e que também é monitorado pela GMB”.
Michele disse que em ambos os casos as violentadas foram levadas à UPA e os agressores foram detidos e encaminhados para a Delegacia da Mulher, para responderem conforme a Lei de n° 11.340, conhecida como Lei Maria da Penha, em vigor desde 2006 com o objetivo de combater a violência contra a mulher.
Serviço
Vale lembrar que a corporação também disponibiliza um canal de comunicação para qualquer mulher, parente ou pessoas que tiverem conhecimento de violência doméstica. As denúncias podem ser feitas pelo 153.
Texto:
Thais Veiga